Quem?
Entrevistei meu antigo professor de instrumento que está ligado à educação musical, tanto em aulas individuais como coletivas, há mais de dez anos.
Onde? Quando?
A entrevista ocorreu em sua sala de aula no conservatório onde trabalha, sem a presença de mais ninguém, em uma hora marcada somente para isso.
O Quê?
A priori me atei em sua relação com o corpo na educação.
Registro: Selecionei algumas questões, as quais julguei mais pertinentes para utilizar naquela situação, vou transcrever parte da entrevista:
Pergunta: Qual relação você percebe entre o corpo e a música?
Resposta: Total relação. Primeiro, a música é sensação. Além de escutar os sons, sentir as ressonâncias, a vibração, tanto a voz ou instrumento, é o corpo que executa. No canto a ligação ainda é maior, pois você é o instrumento e o instrumentista.
Minha Observação: "Concordo com a total relação e ainda acredito que esta relação de execução deveria ser tão forte nos outros instrumentistas quanto é para o cantor."
Pergunta: Na educação musical, como essa relação deve ser trabalhada?
Resposta: Devemos sensibilizar o aluno sobre essa relação entre o corpo e a música, levá-lo a sentir essa proximidade, principalmente na execução da coisa. A maneira que essa relação é feita é pessoal. Levando o aluno a buscar sensações no próprio corpo. Nós somos facilitadores dessas descobertas.
Pergunta: De que forma você acha que o formato da aula de música dentro da escola atua na relação corpo/música?
Resposta: Existem várias áreas de atuação ajudando a acalmar e sensibilizar os alunos, no pensamento lógico matemático e conhecimento físico do aluno. Principalmente no canto, onde ele aprende ressonâncias e várias maneiras de utilizar a sua voz.
Pergunta: Como você percebe seu corpo na sua aula de música?
Resposta: O meu corpo é um instrumento, me sinto um instrumento e ele funciona da mesma forma. Na parte respiratória como uma gaita de fole, um trompete na parte da laringe e na execução como um violino, com mais canção e menos força.
Minha observação: “Além dessa parte fisiológica, percebo o meu corpo na parte expressiva.Tentando não repreender nenhuma tentativa de execução, não reprovar seus esforços, mesmo que gestuais.”
Pergunta: Durante uma performance musical, como você procura manter o seu corpo para uma boa execução?
Resposta: “No meu caso, onde meu instrumento é o canto as questões que mais me preocupam , que requerem atenção, são: as da saúde do corpo, da execução, do conhecer meus limites, de usar um tom confortável e principalmente quando estou cansado- o que fazer.”
A questão emotiva é mais preocupante para mim, tento controlá-la através da técnica, tendo muita consciência do meu instrumento, mas o que mais me ajuda é quando consigo me enxergar como personagem naquela situação, respeitando a minha personalidade.
Minha observação: “Acredito na ideia do personagem, como também na ideia de coreografia, de exploração de movimentação, criando um repertório extenso de possibilidades e escolhas coreográficas pré-definidas.”
Pergunta: Quais os benefícios e/ou malefícios desta atitude corporal?
Resposta: Na minha atuação, o grande malefício é minha defasagem de repertório gestual.
Minha Observação: “Como dizia, esse repertório é criado de diversas maneiras, mas a principal é a experimentação que busco de maneira diária com meus alunos, para que eles partam de si, se conheceram e, assim, possibilitando coisas bem executadas, pessoais e únicas.”
Pergunta: Quais as vantagens e desvantagens da "postura erudita"?
Resposta: A postura erudita tem como desvantagem o engessamento. Tem que haver uma adaptação, principalmente no canto, isso requer um grande trabalho, tanto vocal quanto interpretativo, ao mesmo tempo é melhor do que fazer mal para seu corpo, principalmente de maneira intrínseca.
Minha observação: “A postura erudita tem que ser aprendida, mas na minha opinião não deve ser executada durante a prática. Devemos buscar a adaptação do ideal em cada movimento ou gesto, não podemos dançar durante a prática ou mudarmos de qualidade postural, assim, enquadrando nossa expressividade a poucas possibilidades.”
Pergunta:Qual foi a adaptação feita na sua postura para tocar enquanto dá aula?
Resposta:A minha maior adaptação foi a cadeira com rodas, o que possibilitou me movimentar, tocando com o corpo reto para o instrumento ou tocando de lado.
Pergunta: Você indica alguma postura aos seus alunos?
Resposta: Sim , a postura erudita desde que eles sigam as orientações.
Minha observação: “ Começo do ideal erudito, mas sempre vou pela música e seu significado para o próprio aluno. Como é esse corpo? O que significa para você? Qual movimento surge através desse sentimento? Como podemos usá-lo?...”
Pergunta: Que importância você atribui ao gestual na prática musical, seja no lecionar ou na performance?
Resposta: O gestual é de extrema importância, mas considero de grande dificuldade, devido a falta de repertório de movimentações, principalmente porque toco e canto ao mesmo tempo, o que às vezes impossibilita minha atenção em outros fatores, como no gesto musical.
Minha observação: “O gestual é o princípio da música, sem ele não haveria nada, nem uma nota, nem uma diferente dinâmica ou diferentes nuances. Sem o gesto não há música!”
Conclusões
A entrevista foi surpreendente por diversos motivos, pois trouxe uma inquietação para o entrevistado e muitas conscientizações para mim. Acreditava que ele não tinha esse tipo de preocupação, mas senti que a tem, mesmo que seja de maneira superficial com muitas dúvidas, pude compartilhar muitas experiências que nunca tínhamos compartilhado e conhecimentos e troca de conhecimentos.
No meio da entrevista ele se desarmou falando: Será que vou conseguir responder suas questões?
Eu disse: Responda a realidade, sem conclusões, pois nada é conclusivo, tudo é cíclico.
Considero que o estudo nunca acaba e sempre temos possibilidades de aprender mais. Concluí que ele também tem esse conceito. A frase que ele disse que mais contribuiu para mim e que não tinha nem relação direta com a entrevista, foi:
Aprendemos mais dando aulas do que fazendo!
Essa é a mais pura verdade, a qual sinto cada dia, em cada tentativa de ensinamento em cada fagulha de um novo conhecimento.
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