Livro produzido pelo Maestro Carlos Kaminski - Grafe Editorial 1999
1. Introdução
A presente pesquisa é resultado de atividades desenvolvidas originalmente durante o período dos anos de 1995\96, resumida e registrada de forma conclusiva no ano de 1998. Considerando a pequena bibliografia específica em nível internacional e a precária bibliografia em língua portuguesa sobre o assunto, optamos por uma temática que dentro do campo Musicológico registra um perfil histórico da Regência, citando de forma original os nomes e a função desempenhada pelas principais figuras da Regência Sinfônica ou Operística, na consolidação da função diretorial.
Assim, são citados neste trabalho aqueles nomes que realmente deram à Regência Orquestral as características definitivas que permanecem até os dias de hoje, o que cronologicamente pode ser enquadrado durante todo o século XIX. Portanto, o estudo História da Regência Orquestral no século XIX registra os fundamentos da Regência Contemporânea que aconteceram com a consolidação da Orquestra Sinfônica no início da década do 1800, e o conseqüente aparecimento do Regente Profissional.
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Dada a falta de textos específicos relacionados com o nosso estudo, optamos por estruturar a pesquisa acompanhando a evolução da Prática Regencial nos diversos períodos anteriores à Consolidação da Orquestra Sinfônica no século XIX. O trabalho teve início com uma definição e retrospectiva dos antecedentes da Regência, no qual tratamos da extensão e abrangência das formas de dirigir grupos Corais e Instrumentais até o século XIX. Após, registramos de forma inovadora a importância de músicos que poderíamos reconhecer como verdadeiros Precursores da Regência do início do 1800. Este item se completa com nomes de regentes que atuaram na primeira metade do século XIX , de forma profissional.
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2. Definição e Antecedentes da Regência
A Regência se define como um ato no qual é transmitido a um grupo Coral ou instrumental o conteúdo rítmico e expressivo de uma obra musical. Essa transmissão é feita por uma pessoa que dirige todo um conjunto, com a finalidade de manter a unidade da execução musical.
O termo Regência provém da palavra latina Regentia, a qual possui, entre outros significados, as seguintes definições: dirigir, conduzir, guiar, interpretar ou administrar. Em música, se aplica à direção de grupos de executantes, por meio de gestos convencionalizados.
A posição do regente à frente de um conjunto, influi na execução musical. A postura corporal e os movimentos gestuais realizados pelos braços do regente tem se adaptado às diferentes formações instrumentais. Assim, a técnica de Regência tem evoluído de acordo com o desenvolvimento dos instrumentos musicais e sua aplicação na orquestra. A História ocidental da prática musical em conjunto, no período Moderno, reconhece algumas formas ou estilos de Regência:
1. Regência Quironômica;
2. Regência Expressiva;
3. Regência pela Pulsação da Unidade Métrica;
4. Regência de Marcação Alemã;
5. Regência de Marcação Italiana;
6. Regência aplicada a Música Contemporânea
7. Regência Métrica.
1 - A Regência Quironômica se refere em particular à condução do Canto Gregoriano. A técnica consiste em seguir o desenrolar melódico, tendo como referência suas nuanças ascendentes e descendentes e a seqüência rítmica que leva em conta o ritmo verbal Se aplica a um repertório litúrgico dos séculos XI a XIII que sobrevive até os dias de hoje e que remonta ao século VIII, com o nome de Canto Romano Antigo.
Muito rica em inflexões, esse tipo de música monôdica continua em prática ainda hoje em ordens religiosas tradicionais, como os Beneditinos. Outros tipos de Regência Quironômica tem sido aplicados em métodos didáticos na Educação Básica, tanto na Europa como nos países do Norte de América e em nações do Oriente.
2 - A Regência Expressiva é aquela utilizada no período renascentista. A música Coral escrita para várias vozes independentes e com ritmos complexos, prolongados irregularmente, cria uma sensação de ausência de acentuações periódicas, próprias do próximo estilo musical.
A Regência Expressiva consiste em simples movimentos ascendentes da mão, para marcação da temática musical. Na sua resolução, descendente, a mão acompanha a seqüência linear da melodia e se prepara para novas marcações temáticas nas outras vozes. Este tipo de Regência foi utilizado durante o período da música vocal da Renascença Européia e hoje continua sendo praticada por regentes especializados em Regência Coral.
3 - A Regência pela Pulsação da Unidade Métrica predomina a partir do primeiro período Barroco Europeu (1610-40). Anteriormente, na Renascença, a música vocal era realizada individualmente, conforme a prática antiga. Nos Corais, o regente utilizava preferencialmente os movimentos da Regência Expressiva.
Na música instrumental, como na música vocal-instrumental, a prática regencial era outra. A Marcação Métrica do tempo forte de cada compasso deu lugar à prática do uso de um bastão. O bastão batia com maior ou menor força, unificando a execução em conjunto, na forma de marcações periódicas.
Andrea Della Corte, em seu trabalho "L'a Interpretazione Musicale", revela que já em 1512, Wenzel Philamathes condenava na sua obra "Musicorum Libri Quatuor" o uso de batidas com os pés, com as mãos, com rolos de cartolina ou com uma baqueta ou bastão por parte do "praecentor" ou do "director". Neste sentido, recomendamos ampliar o estudo com a leitura de textos e Enciclopédias relacionados na nossa bibliografia.
Durante o 1º e 2º períodos do Barroco (1610-1640 e 1640-1700), o desenvolvimento dos materiais usados na fabricação de instrumentos musicais permitiu um notável avanço da técnica instrumental, aprimorando a marcação regencial e levando os regentes a fazer exigências de afinação, sonoridade e articulação.
(...) É esse desenvolvimento dos instrumentos de arco e de sopro que marca no final do 600 e início do 700 o aparecimento de grupos musicais compostos por grande número de instrumentistas. Alguns destes grupos, como as orquestras organizadas por J.B.Lully, utilizaram de 24 a 56 instrumentistas, como podemos verificar em textos como La Orquestra, citados na nossa bibliografia.
Já no 3º período do Barroco (1700-1750), as obrigações de compositores e diretores de música aumentam consideravelmente. O auditório exige o abandono da marcação audível, com o qual aparece a Regência conduzida pelos instrumentos do Baixo Contínuo, como o violoncelo e o cravo. Neste período se consagra uma Regência dividida entre os instrumentos citados, ou ainda entre o 1º violino da orquestra e o cravo (ou o órgão).
A prática da Regência dividida prevaleceu até o fim do Barroco e início do novo Classicismo, sendo que a supremacia do 1º violino de orquestra foi aumentando até chegar por alguns momentos a conduzir o conjunto com a marcação do arco, deixando de tocar com o grupo instrumental.
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O cargo de 1º violino, também conhecido com os nomes de Spalla - na Itália -, Konzertmeister -na Alemanha-, ou Leader - na Inglaterra - simboliza ainda hoje, o auxiliar imediato de Regente de Orquestra. A responsabilidade do 1º violino no ensaio e direção da orquestra continuou durante pelo menos as três primeiras décadas do 1800, período onde aparecem diversos regentes, no sentido atual do termo.
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A rigor, o que marca o advento definitivo do regente, à frente da Orquestra, sem qualquer outro encargo, é a série de fatos extremamentes significativos, entre os quais podemos citar: o Iluminismo, A Revolução Francesa, a queda de Napoleão, a Revolução Industrial, o nascimento da Grande Imprensa e diversas outras ações que criaram uma consciência sobre a responsabilidade da interpretação musical de uma obra de Arte.
Embora não exista uma data que permita definir o surgimento da Regência na sua forma atual, não podemos deixar de reconhecer que é a partir da estruturação da Sinfonia Clássica (Escola de Mannheim) e, principalmente, da obra sinfônica de Beethoven que a Regência toma forma e se consolida no transcorrer da primeira metade do século XIX.
O estudo desse período da História da Música, destaca alguns concertadores realmente conscientes da nova função regencial: Spontini, Spohr e Weber. O desenvolvimento da Composição Musical e, por extensão, da Orquestração, deixava de forma clara a insuficiência das orquestras e dos Maestros Diretores no fim do 1700 e início do 1800. A essa insuficiência técnica podem ser agregadas a intelectual e a interpretativa, em função tanto de um gosto social acentuado pela intensidade dramática, quanto de um modismo romântico exagerado.
Devido a essa postura confusa e ultrapassada, foi surgindo a necessidade de uma interpretação científica da obra musical. A competência de diversos regentes em relação à organização e seleção dos músicos instrumentistas de orquestra; à realização de ensaios cada vez mais numerosos e exigentes e, posteriormente, até na escolha do repertório musical, aumentou de tal forma o "valor moral" da pessoa do regente que, antes da metade do 1800, sua função já estava consolidada.
É o aparecimento do Regente Profissional.
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EMANUEL MARTINEZ